Natureza 448

Por quanto tempo, ele se pergunta, as plantas podem sobreviver em um ambiente hermeticamente fechado? Para descobrir, ele contrata um carpinteiro, que constrói duas grandes caixas de vidro com molduras de madeira para resistir à deterioração e vidros fechados para criar uma vedação hermética. Ward as enche de samambaias, as mesmas que cultiva com dificuldade em seu jardim londrino, e em julho de 1833 as envia de barco até a Austrália, em uma viagem cheia de paradas, que levará seis longos meses. As plantas chegam a Sydney vivas e prósperas. Sob as orientações do Dr. Ward, a tripulação substitui as plantas por espécies nativas da Austrália, que agora farão a viagem de volta. Sob um mau tempo insistente, essa viagem leva incríveis oito meses. Oito meses sem nenhuma rega, sem receber água da chuva, somente expostas à luz do sol, balançando no convés do navio. Oito meses reciclando a umidade interna da caixa por meio do ciclo de evaporação, condensação e retorno da água à terra. Em 1835, as plantas chegam à Inglaterra vivas e prósperas. O Dr. Ward fica em êxtase e já prevê uma utilização nobre de sua invenção, com os desvalidos de Londres cultivando alface, tomate e outros alimentos frescos em caixas, melhorando sua alimentação de forma simples e barata. Mas o “Wardian Case”, ou terrário, como é chamado hoje, está destinado a situações muito mais impactantes, e vai desempenhar um papel fundamental na geopolítica mundial. O colonialismo britânico, que já lança tentáculos para todos os lados, buscando novas oportunidades de trocas comerciais e possibilidades de lucro, encontra no terrário do Dr. Ward a tecnologia que estava faltando. No início do século 19, transportar plantas vivas por longas distâncias era quase impossível. O ar salgado dos navios, as flutuações de temperatura e a falta de água doce faziam com que a maioria das plantas morresse durante o percurso. Isso limitou severamente a exploração botânica e o movimento de espécies economicamente valiosas. O ambiente hermeticamente fechado inventado pelo Dr. Ward, aliado ao vidro, que permite a incidência solar, muda a forma de exploração de plantas para sempre, mantendo um ambiente estável independentemente das condições circundantes. O transporte de vegetais em longas travessias, que resultava quase invariavelmente na morte de 95% das plantas, tem as taxas revertidas para 95% de sobrevivência. A Companhia Britânica das Índias Orientais enviou o botânico Robert Fortune à China para aprender o máximo que pudesse sobre o chá chinês. Ele se disfarçou de mandarim e invadiu a terra proibida, onde aprendeu segredos antigos guardados pelos chineses e técnicas complexas para transformar folhas de camélia recém-colhidas em chá. Mas havia a dificuldade de enviar as plantas, retirá-las com vida do território chinês. É em um terrário que Robert Fortune envia as plantas roubadas da China, e logo o chá inglês das plantações na Índia estava eliminando o lucrativo comércio de chá na China. Repita esse mesmo cenário para seringueiras roubadas do Brasil, assim como orquídeas, mangas, bananas, café, frutas cítricas, cacau e plantas de baunilha, que passam a ser enviados, e sobrevivem nas colônias britânicas, cortesia do terrário do Dr. Ward. Vastas fortunas são feitas, grandes monopólios são criados e um poderoso império domina o mundo, reorganizando os ecossistemas globais. Uma época de poder baseado em plantas, que seria impossível sem a introdução do terrário do Dr. Ward. Na próxima vez que você vir um terrário, considere a figura sombria do século 19 que viveu perto das docas de Londres e que nunca ganhou um centavo com essa invenção que mudou o mundo de tantas maneiras imprevisíveis: Dr. Nathaniel Bagshaw Ward. O princípio é o mesmo do terrário: como a caixa é selada, a água evapora no calor do dia e volta ao solo à noite. Com isso, 95% das plantas sobreviviam às duras condições dos mares Luiz Mors Cabral é biomédico com pós-doutorado na Bélgica e professor na Universidade Federal Fluminense, onde faz pesquisas para identificar os genes envolvidos no desenvolvimento vegetal. Também realiza projetos de divulgação científica sobre a domesticação das plantas, sempre usando uma linguagem cativante. Tom Incrocci - Flickr

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