JARDINAGEM & PAISAGISMO @REVISTANATUREZA WWW.REVISTANATUREZA.COM.BR Muito mais conteúdo R$ 34,90 EDIÇÃO 453 ANO 39 REVISTA NATUREZA | EDIÇÃO 453 | JARDIM ECOLÓGICO | EDITORA EUROPA JARDIM ECOLÓGICO Como fazer o seu Use a fórmula das três camadas da Mata Atlântica e crie um jardim cheio de vida, sustentável e de baixa manutenção • LUIZ MORS CABRAL ÁRVORES BOMBARDEADAS • RODRIGO FIALHO PALETA DA NATUREZA • EDUARDO GONÇALVES PLANTAS VERSUS MÁQUINAS • AIDA LIMA NOVIDADES • SABRINA JEHA TRÊS FIGUEIRAS • VALERIO ROMAHN BAILARINAS DO CARIBE • MURILO SOARES GARIMPO • SAMUEL GONÇALVES SAMAMBAIAS • EDILSON GIACON CULTIVE CASTANHAS
A ARTE SIMBÓLICA DA PODA De todas as artes de jardinar, e de viver, talvez a poda seja a mais difícil. Cada corte elimina uma possibilidade. Cada galho retirado, por mais justificável que pareça, carrega uma aposta sobre o que deve permanecer — e o que deve sair. Nos jardins, podar é necessário: areja, fortalece, renova. Mas há sempre um risco. Galhos ainda verdes, mas tortos; brotos novos, mas fora da linha; ramos que cresceram por conta própria, fora do plano original. Se for tudo assim, na regra, aos poucos o jardim perde sua liberdade. Fica simétrico e monótono. Estéril de surpresa. Como uma frase bem escrita demais, mas sem traços de emoção. Na vida acontece o mesmo. Cortamos impulsos que parecem esquisitos, ideias que não se encaixam na rotina prevista, vontades que destoam da imagem que projetamos de nós mesmos. Cada uma dessas coisas pode esconder surpresas. Por medo do incômodo, o impulso é cortar antes que floresça. Assim, muitas oportunidades se perdem por receio de errar. E, sem perceber, viramos um jardim interno controlado demais — e solitário. Nada novo floresce onde tudo é mantido sob rédea curta. Para o bem e para o mal, o que se perde quando se poda demais é o imprevisto. Não há a aventura do novo. Vai saber se não é do galho torto que brotaria a flor mais bonita? Sem dar uma chance a uma nova amizade, a um novo amor, pode ser que a consequência seja a solidão, uma vida sem aqueles momentos que poderiam ter se tornado inesquecíveis, cheios de afeto e compreensão lindamente compartilhados. É na maturidade que as podas, as tais escolhas, feitas ao longo da vida se cristalizam. A desistência ou o desafio de aceitar cursar a faculdade difícil; a recusa ou a coragem de investir numa carreira trabalhosa; o desinteresse ou a disposição em poupar para comprar paciência nas privações da velhice; a decisão de ter ou não um filho quando o corpo ainda permite… Tudo isso e muito mais são as podas de condução ou os galhos que deixamos crescer a cada dia vivido — como se o inevitável fim não estivesse previsto desde sempre. Um dia, tenha certeza, você vai se surpreender no jardim da velhice. Os frutos da vida pendem pesados nos galhos do tempo — uns azedos e difíceis de engolir, outros doces e saborosos. Então você poderá ver o resultado da poda, e das escolhas, que seus instintos moldaram, dia após dia, ano após ano. Mas hoje, sim, hoje mesmo, ao alvorecer, você ganhou o presente de um novo dia. E toda a liberdade de fazer com ele o que quiser. Aproveite esta dádiva e exerça a sua arte de podar ou deixar crescer. | CRÔNICAS DA NATUREZA |
Foto da Capa: Guta Timmen - Shutterstock QUER AJUDAR O PLANETA? CAPTURE CARBONO | EDIÇÃO 453 | EQUIPE REDAÇÃO, APAIXONADOS PELA MATA ATLÂNTICA Aida Lima, Denise Camargo, Edilson Giacon, Eduardo Gonçalves, Ludmila Viani Taranenko, Luiz Mors Cabral, Murilo Soares, Osvaldo Policarpo Jr., Roberto Araújo, Rodrigo Fialho, Sabrina Jeha, Samuel Gonçalves e Valerio Romahn EQUIPE EDITORA EUROPA, DEFENSORES ARDOROSOS DA ECOLOGIA Anderson Cleiton, Anderson Ribeiro, Angela Taddeo, Beth Macedo, Elisangela Xavier, Fabiana Lopes, Fabiano Veiga, Jeff Silva, Laura Aguirre, Laura Araújo, Lourival Batista, Luiz Siqueira, Maitê Marques, Marco Clivati, Mauricio Dias, Paula Hanne, Paula Orlandini, Renata Kurosaki, Tamar Biffi, Tania Roriz e Valeria Romahn NOSSO E-MAIL E SITE natureza@europanet.com.br www.revistanatureza.com.br NOS SIGA NAS REDES SOCIAIS instagram.com/revistanatureza facebook.com/revistanatureza SE VOCÊ TEM PRODUTOS DE JARDINS PARA VENDER, NOSSOS LEITORES ESTÃO PRECISANDO COMPRAR publicidade@europanet.com.br A REVISTA NATUREZA é uma publicação da Editora Europa Ltda. (ISSN 0104-3609). A Editora Europa não se responsabiliza pelo conteúdo dos anúncios de terceiros. PARA ASSINAR E COMPRAR ÓTIMOS LIVROS, REVISTAS, PÔSTERES, COLEÇÕES E ENCICLOPÉDIAS Ligue para (11) 3038-5050 (11) 95186-4134 atendimento@europanet.com.br SEDE Rua Alvarenga, 1.416 – São Paulo – SP / CEP 05509-003 Fundada por Aydano Roriz Publicando livros e revistas desde 1986 VOCÊ TAMBÉM ENCONTRA AS EDIÇÕES DA REVISTA NATUREZA NAS PLATAFORMAS DIGITAIS: • EUROCLUBE • TIM BANCA • CLARO BANCA • OI REVISTAS • CLUBE DE REVISTAS • BANCAH • BEBANCA • ZINIO • AMAZON • UOL BANCA • REVISTARIAS • UBOOK • BOOKPLAY • PRESSREADER • MAGZTER | SUMÁRIO | CURIOSIDADES DA NATUREZA COMUNIDADE NATUREZA........................................................................................ 08 CAPA | COMO FAZER O SEU JARDIM ECOLÓGICO......................................................12 ÁRVORES BOMBARDEADAS......................................................................................52 SAMAMBAIAS. ......................................................................................................... 58 PLANTAS VERSUS MÁQUINAS.................................................................................. 66 PALETA DA NATUREZA..............................................................................................72 TRÊS FIGUEIRAS..................................................................................................... 82 BAILARINAS DO CARIBE.......................................................................................... 84 GARIMPO. ............................................................................................................... 90 NOVIDADES DO MERCADO...................................................................................... 94 CULTIVE CASTANHAS.............................................................................................. 96 Se você acompanhou as discussões da COP 30 e está procurando maneiras práticas de contribuir com a saúde do planeta, saiba que plantar árvores continua sendo um dos gestos mais eficazes — mas nem todas as espécies atuam da mesma forma. Para sequestrar carbono rapidamente, as espécies pioneiras, como a embaúba (Cecropia pachystachya), entram em cena primeiro. Elas crescem depressa, criam sombra e preparam o solo para espécies maiores, capturando carbono de forma ágil no início da sucessão ecológica. Já se você tem condições, espaço, e pretende ajudar com o sequestro massivo e duradouro plante árvores de crescimento lento e estrutura robusta, como o jequitibárosa (Cariniana legalis). Assim, plante sem medo para as próximas gerações. Com centenas de anos de vida, essas gigantes armazenam toneladas de carbono ao longo do tempo e ainda oferecem abrigo para diversas formas de vida silvestre. Combinar pioneiras e perenes é, portanto, a chave para um plantio realmente eficaz — e um ótimo legado para quem quer ir além do discurso e deixar sua marca, mesmo que ninguém venha a saber disso no futuro. Estas são apenas duas sugestões mais radicais, digamos assim. O importante é plantar já que capturar carbono e devolver oxigênio é a missão básica de todas as plantas. E plantar e preservar é a missão de todos que amam a Natureza. Para resultados rápidos, plante embaúba que regenera o solo. Se tiver condições, pense na próxima geração e plante um colossal jequitibá-rosa, que captura toneladas de carbono. O importante é aumentar o número de árvores
| 10 | N A T UR E Z A Preos sc eunr oc i sael mmpa rnet el ur taa ar uc toonetsrtai ma av aeimd a adlet a. A. Ao fmr oens tme ior at eemn tproe , aasc h o duas é fina, às vezes, movediça. A autoestima é a gente se tratar com carinho e compreensão, enquanto a vaidade, para mim, é não precisar de ninguém — é bastar a si próprio. Manter a autoestima em alta é aceitar que se tem capacidade de ajudar as outras pessoas e a hc ounmf iial dnaç da ec odme rae cpor nó hp er icae rr eqduee dt ea mp rboétme ç ãpoo de es es esre anjtui rd ha do no .r Ta de ro ael me g frai az eer parte da rede de proteção daqueles que nos são caros. Acho que nenhuma rede de proteção pode ser mais forte do que a Natureza — e de quem dela se vale para ajudar aos outros. Acordei outro dia com este pensamento e pensei em como as plantas são CUIDE DA SUA REDE DE PROTEÇÃO Natureza CONVERSA COM O ASSINANTE Comunidade da COLEÇÃO PLANTAS ABENÇOADAS Os três volumes da coleção Plantas Abençoadas já estão prontos e impressos para serem enviados para você. São 63 espécies ligadas aos saberes tradicionais, à botânica e à ecologia prática. Com 21 plantas em cada um dos três volumes independentes — Alma, Corpo e Planeta —, ela oferece informações sobre cultivo e uso consciente de plantas que há gerações acompanham quem vive em contato com a terra, seja em jardins urbanos, quintais ou áreas rurais. A coleção propõe uma reconexão com a Natureza como fonte de equilíbrio e bem- -estar. Cada volume tem 52 páginas ricamente ilustradas e foi pensado para valorizar os usos espirituais, medicinais e ecológicos das espécies, respeitando tanto as tradições quanto os princípios da conservação. PLANTAS ABENÇOADAS PARA A ESPIRITUALIDADE & PROTEÇÃO Espécies que limpam, protegem e equilibram, com usos tradicionais em banhos, defumações e rituais de conexão. PLANTAS ABENÇOADAS MEDICINAIS E DE BEM-ESTAR Plantas medicinais para prevenção, alívio e fortalecimento, com receitas caseiras e dicas de uso. PLANTAS ABENÇOADAS REGENERAÇÃO DA PAISAGEM Espécies que regeneram o solo, alimentam a fauna e ajudam a restaurar o equilíbrio ecológico da paisagem. Amigos da revista Natureza, olha só o tamanho do meu avelóz! Cresceu a partir de um pedacinho que ganhei de uma amiga querida. Amo minhas plantas e adoro trocar mudas. Se quiserem um pedacinho, é só pedir que envio com prazer. Rita de Cássia Ilha do Bororé, SP Roberto Araújo, adoro acompanhá- -lo na revista. Que alegria ver as flores se abrindo no meu cacto pendente rabo-de-macaco. Tanta delicadeza que aquece o coração! Alda Pereira Itaquaquecetuba, SP Ficou um show, Rita. Muito diferente. Obrigado, Alda. Sua foto comprova como as flores dos cactos são maravilhosas.
N A T UR E Z A | 11 | aF bo ie an lçgooa tdãaos .f oAr it de eqi au et ommeodueci xo onut ac dh ae imo idnehvaocnatbaedçea d. e começar um novo projeto. Imaginei a cena de uma mãe preparando um chá pc oa mr apol ef ti lahvoa md o: eonpt er i en cpí epri oc eabt ii vcoo md ao palsa nd tuaa us scaodi saans os ec h á e o carinho, as palavras da mãe ajudando no momento difícil da criança. Lembrei da minha avó, que era benzedeira, e em como ela, tantas vezes, nos protegeu do mal. Claro que não tem como “provar” isso para uma pessoa incrédula. Ao rvaaç iõdeasdme ue ramauurt ao ds saus f ei cui êmn cmi aanc ãi nohpooddee ma r raucde ai t ac ru rqeume up mr o t“emç ãaou -doal haavdóos”e. Ma ba sr e, d, eennvoovl voe, oe cdaár isnehg ou,raa nr eç ad eà d e criança. Disso eu estou convencido. Pronto, já tinha dois volumes: um para a alma e outro para o corpo. Mas, nos tempos atuais, tornou- -psaer ai nme vaint át ve er lupme na sbaoranaoupt ol aens et itma . aF, oéi parí eqcui seopterna sbeail hqaure , pa sa rpal adnatra cs ocme ri tdaas apoasr ap ac os snat reirn ehrooss, ãaop, rreenc do enrd qi cui oa ins asrãoo sqouleo, , sf ea vcoardeac eurme fpa rzout emg epro ausq nu ai ns hc eon—t e se. Sc oã omcoosi soams o s mfataois, pdlean8ebtáilrhiõoe. s de pessoas — o resultado será, de Tenho certeza de que eu não basto a mim mesmo. Preciso de outras pessoas. Preciso da Natureza. Preciso aprender a cada dia para diminuir minha enorme ipgrnaoz reâr necmi a .cPo omr pi sasrot i lehua lre, ci oo, me sttouddao heutme ni lhdoa du em, oe n o r m e que aprendo. Veja aqui amlgeuangsralidvaroms. que muito Sempre fico um tanto acanhado em falar do meu próprio livro de memórias e reflexões. Por isso, recortei dois trechos de quem leu. Se quiser esta minha “Alma de Jardineiro", fique à vontade. Quando encontrei a citação ao seu novo livro Alma de Jardineiro, parei tudo. Fui em busca dele e o li de uma só vez. Fiquei muito emocionado com sua história. Com admiração, Walter Mazzotti Filho Acabei de ler com muito entusiasmo seu livro Alma de Jardineiro. Foi uma leitura que fluiu de forma prazerosa e, ao mesmo tempo, permeada de vivências pessoais e memórias afetivas, tendo a Natureza como seu elemento condutor. Maria Cristina Rath Bonazina Escrevi com muito carinho e sinceridade para revelar minhas memórias e reflexões Um romance histórico repleto de ação, que vai te cativar e surpreender da primeira à última página Se você é mulher e gosta de plantas, devia ler este livro O SEGREDO DE JEANNE BARET A mulher que desafiou o mundo em nome da ciência Livro para ler no jardim O ÍCONE DE FILERMO Em pleno século 18, quando mulheres eram proibidas a bordo de navios, Jeanne Baret disfarçou-se de homem para acompanhar, como assistente e amante, o botânico Philibert de Commerson numa expedição científica que daria a volta ao mundo. Herbolária brilhante, enfrentou perigos constantes, o preconceito da tripulação e a ameaça de violência, tudo para seguir sua paixão pelas plantas e pela ciência. O Segredo de Jeanne Baret, da pesquisadora Glynis Ridley, reconstrói essa jornada extraordinária com rigor histórico e narrativa envolvente, agora disponível em português com tradução de Roberto Araújo. Embora não seja diretamente ligado à Natureza, O Ícone de Filermo é o livro da grande amiga, Suzana Meyer Garcia, que tive o prazer de editar e quero indicar. A obra acompanha a trajetória de um ícone sagrado que atravessa séculos e fronteiras — de Jerusalém à Rússia —, preservado por santos, cavaleiros e imperatrizes, mesmo em meio a guerras e traições. Na trama contemporânea, os protagonistas Lilian e Miguel se veem envolvidos em uma investigação que conecta passado e presente, história e fé, num enigma que envolve documentos ocultos e descobertas surpreendentes. É uma leitura envolvente, com pano de fundo histórico, simbólico e espiritual. Alma de Jardineiro
14 | NATUREZA JARDINS ECOLÓGICOS A fórmula das três camadas da Mata Atlântica é o princípio fundamental para criar jardins bonitos, cheios de vida, sustentáveis e de baixa manutenção TEXTO ROBERTO ARAÚJO PESQUISA DE IMAGEM VALERIO ROMAHN Projetar um jardim ecológico começa por compreender que a Natureza opera em estratos. Um bom exemplo a ser seguido aqui no Brasil começa por entender como a Mata Atlântica organiza sua vegetação. Esse bioma, um dos mais complexos e diversos do país, se estrutura em camadas sobrepostas: grandes árvores formam o dossel que regula a luz e a umidade, abaixo delas cresce um sub-bosque denso de palmeiras, arbustos e epífitas, e ao chão se espalham forrações e espécies pequenas que protegem o solo. Cada nível cumpre uma função ecológica precisa — filtrar luz, reter água, produzir matéria orgânica —, e, juntos, mantêm o equilíbrio térmico e a biodiversidade. Reproduzir essa lógica no paisagismo é perfeitamente possível, aliás muito recomendável. É também o básico para criar um jardim naturalista que se desenvolva em harmonia e dê pouco trabalho de manutenção. Em síntese, sua funcionalidade está baseada nessas três | MATÉRIA DE CAPA | Símbolo vivo da Mata Atlântica, a saíra-sete-cores (Tangara seledon) representa o potencial de um jardim ecológico. Cultive nativas que a fauna retorna Jardins naturalistas imitam a estrutura e o funcionamento dos ecossistemas nativos usando plantas adaptadas ao ambiente local. São paisagens vivas, dinâmicas e conectadas ao bioma Como fazer Guta Timmen - Shutterstock
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16 | NATUREZA camadas principais, que garantem não só o funcionamento autossustentável do jardim, como também sua integração com o entorno, favorecendo a presença de aves, insetos e outras formas de vida. A escolha por espécies nativas é parte central dessa abordagem. Elas se adaptam melhor ao solo, ao regime de chuvas e às variações climáticas locais. Ao contrário de muitas exóticas ornamentais, as nativas exigem menos intervenções após o plantio, promovem interações ecológicas reais e contribuem para restaurar, mesmo que em escala doméstica, o tecido vivo dos biomas originais. Entenda como funciona a estrutura em camadas e como aplicá-la, na prática, para criar um jardim funcional, visualmente interessante e conectado à paisagem natural brasileira. Quando se trata de um desnível, usar plantas rasteiras ao redor de espelhos d’água e quedas naturais ajuda a criar transições suaves entre a água e o jardim. O resultado fica um espetáculo | MATÉRIA DE CAPA | Valerio Romahn cultivar413 - Flickr
A riqueza da Mata Atlântica é tanta que produziu até o endêmico e lindo tiê-sangue (Ramphocelus bresilia). Tem, sim, que preservar! Ao repetir espécies de forma planejada, o paisagista transforma a diversidade da Mata Atlântica em composição — criando ritmo, unidade visual e leitura clara dos espaços Para o paisagista profissional, o bioma da Mata Atlântica oferece uma paleta de espécies adaptadas ao clima local, de baixa exigência hídrica, alta resiliência e grande valor ecológico. Ao organizar o jardim em camadas — forração, sub- -bosque e dossel — com espécies nativas de diferentes portes, é possível criar um sistema autossustentável. NADA É MAIS BONITO E FÁCIL DE MANTER ZHest - Shutterstock
18 | NATUREZA | MATÉRIA DE CAPA | Infelizmente o número de espécies nativas disponíveis para comercialização no Brasil ainda é bastante baixo. Por isso, esta reportagem vai seguir o conceito da Mata Atlântica, mas aparecerão espécies de outros biomas e exóticas. Fica o incentivo e o desejo da equipe da Natureza para uma maior oferta de nativas. APROVEITE DA MELHOR FORMA Ter à disposição tantas folhagens — cada uma com sua forma, cor e textura — é um privilégio da Mata Atlântica. Usá-las no paisagismo é criar jardins luxuriantes Aviso! SmushPanther - Shutterstock
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Cerca de 70% da população brasileira vive onde já foi Mata Atlântica, do Nordeste ao Sul do Brasil. Assim, além de inspirar jardins, é preciso preservar belezas como a Cascata do Caracol, em Canela, RS A Mata Atlântica não é uma floresta única, mas um gigantesco conjunto de ecossistemas interligados, por isso, tem tanta diversidade vegetal e animal. Pra que copiar jardins de outros países? Hans Elmo - Shutterstock
22 | NATUREZA | MATÉRIA DE CAPA | Lição #1 No ambiente natural da Mata Atlântica, o dossel é formado pelas copas das árvores, que regulam tudo o que acontece abaixo: controlam a entrada de luz, amortecem a força da chuva, mantêm a umidade no solo e influenciam a composição da fauna e da flora do sub-bosque. No paisagismo, reproduzir essa função significa introduzir árvores com papel estrutural, capazes de criar sombra parcial, melhorar o conforto térmico e favorecer o desenvolvimento das camadas inferiores. Além disso, árvores bem posicionadas reduzem a evaporação da água, diminuem a amplitude térmica e tornam o jardim mais autossustentável. Além de serem elementos de escala, as árvores do dossel são reguladoras do microclima. E, quando escolhidas entre espécies nativas da Mata Atlântica, ainda oferecem alimento e abrigo para aves, insetos, mamíferos e outras formas de vida que dependem dessas estruturas para sobreviver em meio ao espaço urbano. As sugestões de espécies ideais para compor essa camada, com foco em jardins residenciais e urbanos — prioriza árvores de porte médio, frutíferas ou floríferas, de crescimento mais controlado e alto valor ecológico. DOSSEL: ÁRVORES DA MATA ATLÂNTICA para seu jardim naturalista Peltophorum dubium – Canafístula Árvore nativa muito comum em florestas da Mata Atlântica, em grande parte do Brasil (do Nordeste ao Sul), a região do Caribe e em outros países, como Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai. Alcança até 15 metros de altura na maturidade, mas seu crescimento inicial é rápido, o que a torna útil para criar sombreamento em poucos anos. Suas folhas compostas são delicadas, e a copa ampla oferece sombra leve. Floresce abundantemente com flores amarelas em cachos, atraindo abelhas e outros polinizadores. Em jardins naturalistas, pode ser usada para formar o dossel principal em áreas com espaço para crescimento pleno. É uma excelente árvore para atrair fauna e compor paisagens de transição entre mata e área aberta. RÁPIDA E COM LINDOS CACHOS AMARELOS Guta Timmen - Shutterstock
NATUREZA | 23 Uma das mais belas da Mata Atlântica, as flores da canafístula fornecem néctar e pólen para diversas espécies de aves nectarívoras, e seus frutos (vagens) são fonte de alimento para pássaros. Além disso, a copa frondosa serve como importante abrigo e local de nidificação, ou seja, é ideal para ninhos e reprodução Guta Timmen - Shutterstock
24 | NATUREZA | MATÉRIA DE CAPA | Plinia cauliflo a – Jabuticabeira A jabuticabeira é uma árvore nativa da Mata Atlântica amada por todos. Seu crescimento é lento, mas sua adaptação ao ambiente urbano e valor ecológico justificam amplamente sua inclusão em projetos de jardins naturalistas com enfoque funcional. Sua principal característica ecológica é a frutificação cauliflora. Os frutos se formam diretamente no tronco e nos galhos mais grossos, o que atrai sabiás, sanhaços, saíras e jacus, além de pequenos mamíferos. As flores são discretas, porém cobrem todo o caule, o que tem grande valor paisagístico. Em projetos de paisagismo ecológico, pode ser usada como elemento central em pátios e quintais sombreados ou ponto de atração de fauna, quando associada a outras frutíferas nativas (como pitanga, cereja-do-mato ou grumixama). RAINHA DAS FRUTÍFERAS BRASILEIRAS A mais brasileira de todas as frutíferas, a jabuticaba faz um belo papel também no paisagismo. Não pode faltar de jeito algum em um paisagismo inspirado na Mata Atlântica O sabiá (Turdus rufiventris), um grande apreciador de jabuticabas, é também a ave símbolo do Brasil desde 3 de outubro de 2002
NATUREZA | 25 Eugenia brasiliensis – Grumixama A grumixama é uma árvore nativa da Mata Atlântica, da família das mirtáceas, a mesma da pitanga e da jabuticaba, e combina bom porte para sombra, frutificação generosa e comportamento compatível com áreas urbanas. Alcança entre 6 e 10 metros de altura, com copa densa, arredondada e perene, ou seja, mantém as folhas durante o ano todo — o que proporciona sombra constante e microclima estável nas camadas inferiores do jardim. Os frutos, que surgem no verão, são pequenos, doces e de coloração roxaescura a preta. Servem de alimento para uma ampla variedade de aves frugívoras, como sabiás, juruvis e saíras, além de pequenos mamíferos. Também são consumidos in natura ou utilizados em sucos e geleias. Do ponto de vista paisagístico, a grumixama é versátil e de fácil manejo. Pode ser usada como árvore de sombra leve para quintais e jardins de médio porte, além de ajudar a formar corredores ecológicos, conectando fragmentos de vegetação nativa e áreas urbanizadas. BRASILEIRA ATÉ NO NOME Tudo na grumixama é bonito: o porte da arvoreta, a copa densa e perene, os frutinhos vermelhos... e é perfeita para corredores ecológicos Se você quiser dar um banquete para a passarinhada, reúna a grumixama, a jabuticabeira e a pitanga. Você também vai saborear com muito gosto Adilson Sochodolak - Shutterstock Kathia Tamanaha - Shutterstock mauro halpern - Flickr Diego Monsores - BioDiversity4All
26 | NATUREZA | MATÉRIA DE CAPA | Paubrasilia echinata – Pau-Brasil Espécie símbolo do bioma e do país, o pau-Brasil é uma árvore de porte médio a grande (até 15 metros), com copa densa e floração exuberante em tons de amarelo intenso, geralmente no verão. É, porém, de crescimento muito lento, o que faz dela uma boa espécie até para pequenos espaços. Portanto, prefira exemplares maiores na hora da compra. No paisagismo, deve ser usada com planejamento, preferencialmente em áreas com solo profundo e boa drenagem. É uma árvore histórica, endêmica e ameaçada, o que justifica seu uso em projetos com ênfase em restauração e conservação. Sua florada atrai polinizadores, e os frutos, aves e pequenos mamíferos. NADA MAIS BRASILEIRO Conselho prático: compre a maior muda que encontrar do pau-Brasil. É uma planta lenta e sua importância histórica vale o investimento. Ah, sim, tem uma linda florada Tipuana tipu – Tipuana Embora não seja nativa da Mata Atlântica (é originária da Bolívia, Argentina e Uruguai), está amplamente naturalizada no Sudeste. Seu comportamento caducifólio e copa ampla a tornam útil para criar ambientes de transição em áreas urbanas, desde que com espaço suficiente. Seu uso deve ser avaliado com cautela, considerando raiz agressiva e porte elevado. BRASILEIRA POR ADOÇÃO O pau-Brasil é a árvore nacional (Lei no 6.607/1978) e, a propósito, o ipê- -amarelo é lindo, mas não é a flor n cional. É fake news que o título foi aprovado na época de Jânio Quadros Mauricio Mercadante - Flickr Dado Photos - Shutterstock Tony Rodd - Flickr
28 | NATUREZA Bauhinia forfi ata – Pata-de-vaca Espécie de médio porte (até 8 m), com folhas bilobadas e florada branca abundante. Também caducifólia, favorece o ciclo de luz sazonal no jardim. As flores atraem abelhas e borboletas, e a árvore tem crescimento relativamente rápido. Não confundir com a Bauhinia variegata, originária da China e da Índia, mais comum de ser encontrada. LINDAS FLORES BRANCAS Fique ligado que têm duas espécies de pata-de-vaca, a nativa brasileira e a asiática. A flor é completamente diferente Handroanthus albus – Ipê-amarelo Árvore caducifólia, de floração intensa no final do inverno. As flores amarelas surgem antes das folhas, criando impacto visual e atraindo abelhas nativas em grande número. A queda das folhas permite a entrada de luz solar no sub-bosque durante os meses frios, favorecendo o crescimento de forrações e herbáceas que precisam de mais luz no inverno. Porte entre 6 e 10 metros. UMA DAS MAIS BELAS FLORADAS O ipê-amarelo pode se tornar uma árvore grande, mas como cresce muito lentamente pode ser usado em pequenos espaços. Sua flor podia ser o símbolo floral brasileiro, mas oficialmente não é | MATÉRIA DE CAPA | Flor da pata-de-vaca brasileira Flor da pata-de-vaca asiática Valerio Romahn Mauricio Mercadante - Flickr zcebeci - Shutterstock Waldemar Manfred Seehagen - Shutterstock
30 | NATUREZA | MATÉRIA DE CAPA | Lição #2 S e o dossel define o clima do jardim e a sombra que o sustenta, a camada intermediária é quem articula tudo. É a ponte entre as copas e o solo, entre a estrutura e os detalhes. Essa segunda camada, conhecida como sub-bosque, ocupa a faixa entre 1 e 3 metros de altura e tem papel central na dinâmica ecológica: abriga, conecta, sombreia e alimenta. É onde ocorrem muitas das interações entre plantas e fauna — e onde o jardim começa, de fato, a adquirir complexidade, profundidade visual e função ambiental ativa. Em florestas como a Mata Atlântica, essa camada é composta de arbustos floríferos, palmeiras jovens ou de pequeno porte, herbáceas grandes e samambaias. No jardim, ela tem múltiplas funções: preenche o vazio entre a forração e o dossel, cria sombreamento parcial que regula a umidade do solo, serve de abrigo e alimento para aves e insetos, e organiza o espaço — guiando caminhos, formando divisões ou definindo bordaduras. Conheça os principais grupos de plantas que compõem essa camada intermediária em projetos inspirados na vegetação da Mata Atlântica. COMO PLANTAR A SEGUNDA CAMADA NO JARDIM Para funcionar como na floresta, a segunda camada deve ser implantada em agrupamentos densos (maciços), de três ou mais indivíduos por espécie. Essa densidade garante sombra parcial, retenção de umidade e proteção mútua entre as plantas. O ideal é alternar diferentes texturas e alturas, criando variações visuais sem perder a coerência da composição. Evite o plantio isolado de espécies que, na Natureza, crescem em comunidade. Ao respeitar essa lógica, o jardim ganha profundidade, acolhe mais fauna e requer menos manutenção — pois as plantas se sustentam como um sistema, não como indivíduos separados. A CAMADA DO SUB-BOSQUE Calliandra brevipes – Caliandra (pé-de-boto) A caliandra é um arbusto compacto, de crescimento rápido, com floração abundante e longa — que pode se estender do fim da primavera até o outono. As flores, em forma de pompom, vão do rosa-claro ao vermelho intenso e são ricas em néctar, o que faz da caliandra uma das plantas preferidas de beija-flores. Também atrai abelhas nativas e insetos benéficos. Tolera podas frequentes, que podem ser feitas para controlar o tamanho ou induzir novas florações. É resistente e de baixa manutenção, adaptando-se bem a diferentes tipos de solo, desde que bem drenados. Ideal para bordas de caminhos, delimitação de áreas ou como camada intermediária entre espécies maiores e a forração. TRAGA POMPOM FLORIDO PARA O JARDIM Pleroma mutabile – Manacá-da-serra O manacá-da-serra é uma das espécies mais emblemáticas da flora da Mata Atlântica. Pode atingir de 2 a 6 metros de altura, variando entre arbusto grande e pequena árvore, dependendo da condução. Seu maior destaque é a floração sequencial: as flores nascem brancas, tornam-se rosadas e depois roxas, o que cria um efeito tricolor simultâneo na copa. Por sua origem em regiões de serra (como a Serra do Mar), adapta-se bem a solos bem drenados e à umidade ambiente. Além do impacto visual, suas flores atraem abelhas nativas e borboletas, reforçando a função polinizadora da segunda camada. UMA ESPÉCIE EMBLEMÁTICA Mauricio L.Teodoro - Shutterstock
NATUREZA | 31 A caliandra é tão brasileira que, além da Mata Atlântica, vai bem no Cerrado, na Caatinga e até nos Pampas. Muito usada em reflorestamento, suporta inundações temporárias e adora uma beira de rio. Pode cultivar que vai dar certo Valerio Romahn
32 | NATUREZA | MATÉRIA DE CAPA | Dichorisandra thyrsiflo a – Gengibre-azul (ou dicorisandra) Apesar do nome popular, não é da família do gengibre, mas sim das Commelinaceae. É uma herbácea robusta, de porte arbustivo (1,2 a 2 metros), muito comum nas bordas de florestas úmidas da Mata Atlântica. Suas inflorescências são longas e verticais, com flores azul-violeta intensas que contrastam fortemente com o verde escuro das folhas lanceoladas. É uma planta de sombra e meia-sombra, ideal para áreas protegidas do sol direto. Gosta de solo rico e úmido, e responde bem ao adensamento em grupos. Não tolera seca prolongada, o que a torna ideal para jardins bem irrigados ou de clima mais úmido. Suas flores atraem abelhas e pequenos insetos polinizadores, e o porte vertical ajuda a criar profundidade no sub-bosque. Pode ser usada em renques, bordaduras ou como plano de fundo para folhagens mais claras. FLORES AZUIS PARA MEIA-SOMBRA O gengibre-azul reúne qualidades únicas: tem flores desta cor diferente, porte arbustivo e vai bem em sombra e meia- -sombra. Merece um lugar no seu projeto Eugenia uniflo a – Pitanga A pitangueira é uma das frutíferas nativas mais versáteis para o paisagismo ecológico. Pertence à família das mirtáceas, muito presente na Mata Atlântica, e cresce como um arbusto ou pequena árvore, com altura variável entre 4 e 9 metros, dependendo da condução e das condições do solo. Produz folhas pequenas e aromáticas, com coloração avermelhada nas brotações jovens, o que traz contraste visual ao jardim mesmo fora do período de frutificação. A floração branca e abundante ocorre em meados do inverno e início da primavera, seguido pela formação de frutos vermelhos ou roxos-escuros (variação conforme a cultivar), muito atrativos para a avifauna frugívora, como sabiás, sanhaços e saíras. A espécie também é visitada por abelhas durante a floração. Pode ser usada como cerca viva, em renques, ou como ponto focal em jardins menores. ESSA NÃO PODE FALTAR Poucas frutas acumulam tanta memória afetiva quanto a pitanga. Pode observar, só de falar dela, todo mundo tem uma história pra contar. Você também, aposto! Lacroix Christine - Shutterstock Mercury Green - Shutterstock
NATUREZA | 33 Eugenia involucrata – Cereja-do-mato Árvore frutífero da mesma família da pitanga, mas com hábito de crescimento mais ereto e porte ligeiramente maior. Pode atingir de 8 a 14 metros, dependendo da região e do manejo. Produz frutos arredondados, de coloração vermelha intensa e sabor doce quando maduros, bastante consumidos por pássaros frugívoros. Sua folhagem é perene, com folhas lanceoladas e coriáceas, que permanecem verdes o ano todo. Pode ser conduzida como arbusto alto, cerca viva informal ou arvoreta de copa leve. Tolerante ao frio e à meia-sombra, adapta-se bem a solos férteis e bem drenados. No jardim, é uma excelente opção para compor a segunda camada de sub- -bosque com dupla função: atrativo da fauna e de grande valor ornamental. Também pode ser cultivada em vasos grandes ou jardineiras profundas em pátios sombreados. DÊ UMA CHANCE A ESTA PARENTE DA PITANGA Campomanesia phaea – Cambuci Espécie nativa e historicamente associada à vegetação do planalto paulista e florestas ombrófilas densas. O cambuci é uma arvoreta, de crescimento lento e copa arredondada, que pode atingir entre 6 e 9 metros. Seus frutos são grandes, de aroma marcante e sabor ácido, com uso potencial em sucos, compotas e fermentados — o que tem impulsionado sua valorização em projetos de agrofloresta e pomares biodiversos. No paisagismo, o cambuci é valorizado por sua forma densa e rústica, ideal para criar massa vegetal no sub- -bosque. Os frutos caídos também alimentam pequenos mamíferos, como saguis e roedores silvestres. Por se tratar de uma espécie com distribuição original reduzida e hoje considerada em risco de extinção em algumas regiões, sua inclusão em projetos de paisagismo contribui para a conservação ex situ da flora atlântica. CADA VEZ MAIS VALORIZADO NO PAISAGISMO Uma frutífera que se tornou até nome de bairro em São Paulo, SP, o cambuci é típico do sub-bosque e valorizado no paisagismo pela sua forma densa e rústica Esta é a planta perfeita para você fornecer alimento para a avifauna. Nativa do Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina, é indispensável em projetos de reflorestamento e recuperação ambiental Valerio Romahn Nancy Ayumi Kunihiro - Shutterstock
34 | NATUREZA No contexto da Mata Atlântica, as palmeiras participam ativamente da organização do sub-bosque. Muitas espécies têm crescimento lento, troncos delgados e folhagem filtrante, permitindo a entrada de luz difusa — ideal para a vida vegetal e animal que se desenvolve abaixo. Em jardins ecológicos inspirados nesse bioma, as palmeiras cumprem funções importantes: introduzem verticalidade sem bloqueio excessivo de luz, oferecem frutos para a fauna e criam uma ambiência tropical coerente com o sub-bosque úmido e sombreado. São usadas tanto isoladas quanto agrupadas, e podem ser combinadas com samambaias, filodendros e arbustos floríferos para composições mais densas e equilibradas. Um toque tropicalista Se seu jardim é brasileiro, precisa ter palmeiras. Mas, francamente, com tanta palmeira nativa não vá cultivar mudas de outros países Se você se encantar pela ideia de fazer um jardim inspirado na Mata Atlântica, não deixe de cultivar a palmeira-juçara. Nada mais lindo, típico e tropical. Ameaçada, lembre-se de que, para cada palmito-juçara que você comer, uma palmeira nativa foi derrubada | MATÉRIA DE CAPA | Ricardo Yamazaki - BioDiversity4All
NATUREZA | 37 Dicksonia sellowiana – Samambaiaçu (ou xaxim-bugio) Espécie nativa e protegida por lei, o samambaiaçu é uma samambaia arborescente, com tronco grosso (rizoma ereto) e copa formada por frondes longas e arqueadas. Em ambiente natural, pode ultrapassar os 4 metros de altura, mas em cultivo ornamental são usadas mudas jovens ou exemplares menores, obtidos legalmente de viveiros autorizados. Essa espécie é um símbolo visual do interior da Mata Atlântica. Sua copa densa ajuda a manter a umidade do solo e cria sombra para plantas menores. Além disso, o “tronco” serve de substrato para epífitas, musgos e líquens. SAMAMBAIA EM FORMA DE ÁRVORE No paisagismo, o samambaiaçu gosta de sombra e umidade. Portanto, o melhor lugar é cultivar sob árvores, de preferência nativas brasileiras, é claro Quase extinto pela exploração do xaxim, o samambaiaçu é maravilhoso. Só fique atento para comprar mudas certificadas de produtores autorizados. A espécie é protegida por lei Paisagismo: Lazari Foto: Valerio Romahn
NATUREZA | 39 Lembre-se de que a Mata Atlântica é composta de diversos ecossistemas. Vários deles em restingas e no litoral onde prosperam muitas bromélias de sombra e de sol. As Quesnelia são para solo pedregoso, preferencialmente em encostas úmidas, e gostam de luz filtrada pelas árvores Vriesea spp. – Vriesea Conhecidas por suas inflorescências em espiga colorida (vermelha, laranja ou amarela), são bromélias epífitas ou terrestres, muito comuns em áreas de floresta ombrófila. Toleram sombra profunda e se adaptam bem ao cultivo em troncos, árvores vivas ou estruturas verticais de madeira. A espécie Vriesea carinata é uma das mais comuns e facilmente cultivadas. Excelente para introduzir florada discreta e cor em ambientes úmidos e sombreados. FICAM ÓTIMAS EM ÁRVORES E TRONCOS CAÍDOS As vrieseas gostam de sombra e são bastante comuns e fáceis de cultivar. E ainda dão um lindo pendão Valerio Romahn
40 | NATUREZA | MATÉRIA DE CAPA | Canistropsis billbergioides – Canistropsis Espécie epífita nativa do Sudeste e Sul do Brasil. Tem folhas verde-claras e inflorescência delicada em tons de rosa e amarelo. Pode ser fixada diretamente em árvores ou cultivada em vasos com substrato leve. Ideal para jardins que simulam mata secundária ou áreas de transição entre sombra e luz filtrada. CORINGA ENTRE AS BROMÉLIAS Uma bromélia boa para você fixar em árvores ou palmeiras e ainda se reproduz facilmente criando touceiras Neoregelia spp. – Neoregélias (diversas espécies) Grupo com grande variedade de espécies nativas da Mata Atlântica, adaptadas à meia-sombra. São bromélias de porte médio, com folhas que variam em tonalidades de verde, vinho e roxo. A inflorescência é discreta e se forma no centro da roseta. Acumulam água em sua base, servindo de abrigo para fauna aquática pequena (insetos, girinos, microinvertebrados). São ideais para plantios em grupos sob árvores, bordas e vasos rasos. VÃO BEM ATÉ EM VASOS Um dos canteiros mais fáceis de criar, porque pode ser feito com vasos. É só colocar uma bromélia ao lado da outra que o conjunto com cores e texturas diferentes fica excelente Valerio Romahn Lorena Patricio - BioDiversity4All Alejandro Lopez - BioDiversity4All Nokuro - Shutterstock
NATUREZA | 41 Alcantarea imperialis – Bromélia-imperial Espécie terrestre de grande porte, nativa da região serrana do Rio de Janeiro. Forma uma roseta larga, com folhas longas e rígidas, levemente avermelhadas. Pode atingir mais de 1 metro de diâmetro. Seu impacto visual é imediato, funcionando como ponto focal em canteiros sombreados. A inflorescência central é alta e duradoura, podendo atingir mais de 2 metros. Precisa de solo bem drenado, mas com umidade constante, e se adapta à meia-sombra. Ideal para jardins maiores. FAZ MUITA PRESENÇA NO JARDIM As bromélias da Mata Atlântica são miniecossistemas vitais! Elas acumulam água, sustentando diversas larvas e anfí ios, e fornecem néctar para polinizadores, como beija-flo es. São essenciais para a biodiversidade e a ciclagem de nutrientes Integrada ao paisagismo, a bromélia-imperial é sempre a planta escultural que mais chama a atenção A bromélia-imperial tem este nome não por acaso. Certamente é a rainha das bromélias brasileiras, seja pelo tamanho avantajado ou pela belíssima inflorescência central que pode atingir até 2 metros de altura. Faz toda diferença no jardim Tatters - Flickr
42 | NATUREZA | MATÉRIA DE CAPA | Lição #3 Entre as primeiras decisões no planejamento de um jardim, uma das mais recorrentes é o uso de grama para cobrir o solo. Ela é vista como padrão — quase um “fundo neutro” para os canteiros. No entanto, quando o objetivo é criar um jardim naturalista inspirado na Mata Atlântica, esse modelo perde o sentido ecológico. O gramado comum, além de ser um monocultivo pobre em biodiversidade, exige manutenção constante, irrigação frequente e não oferece benefícios reais à fauna local. A substituição da grama por forrações nativas ou adaptadas é uma das mudanças mais impactantes e funcionais dentro do paisagismo ecológico. Em vez de um tapete uniforme, entra em cena um mosaico vivo, com diferentes alturas, texturas e ciclos vegetativos. Essas plantas cobrem o solo com muito mais eficiência, ajudam a reter a umidade, reduzem o aparecimento de plantas invasoras e, principalmente, passam a ter um papel ativo no ecossistema do jardim. NÃO FAÇA UM GRAMADO, faça mosaicos com plantas diferentes A vedélia é uma opção muito colorida ou por suas manchas no jardim. A erva-da-fortuna (Tradescantia fluminensis) também é bem brasileira e vai bem especialmente quando cultivada à meia-sombra O gramado é sempre a primeira ideia para cobrir o solo, mas usar manchas coloridas e flor das, como a vedélia, dá outro encanto ao paisagismo somsak nitimongkolchai - Shutterstock
NATUREZA | 43 Sphagneticola trilobata - Vedélia Ideal para compor mosaicos em jardins baseados na flora da Mata Atlântica, tem crescimento rasteiro, folhas verde-escuras e flores amarelas quase contínuas. Forma um tapete denso que protege o solo, atrai polinizadores e oferece contraste visual. Muito rústica, tolera sol, meia-sombra, alagamentos e seca, sendo ótima para bordaduras, taludes e até vasos. UMA NATIVA SEMPRE FLORIDA
44 | NATUREZA | MATÉRIA DE CAPA | Arachis repens – Grama-amendoim Forração rasteira e densa, nativa de quase todo o Brasil, forma um tapete vivo com pequenas flores amarelas. Fixa nitrogênio no solo, melhorando a fertilidade naturalmente. Após implantada, resiste bem a secas e exige pouca manutenção. É excelente para bordas de canteiros, caminhos ou áreas com leve circulação. Além disso, é muito atrativa para abelhas nativas. UMA FORRAÇÃO QUE SÓ TRAZ VANTAGENS A grama-amendoim é uma escolha que só traz alegrias. Brasileira, fácil de cuidar, dá lindas florzinhas amarelas e ainda fixa nitrogênio no solo Foto: Valerio Romahn; Paisagismo: Cintia Rua Dedemith - Shutterstock
NATUREZA | 45 Trimezia coerulea – Falso-íris (ou lírio-roxo) Perfeita para se integrar como um mosaico com outras plantas. Folhagem vertical e estruturada, forma touceiras robustas que funcionam bem em canteiros sombreados. Produz flores azuladas delicadas e é bastante resistente. Não cobre o solo como um gramado, mas cumpre a função ecológica de ocupar o espaço inferior com forte presença visual. LINDINHA COM SUA CARA DE E.T. A flor dura apenas um dia, mas surge em sequência. Após murchar, a haste floral pode desenvolver uma pequena muda (plântula) na ponta, que, ao pesar, toca o solo — dando origem a uma nova planta Valerio Romahn Forest and Kim Starr - Flickr O falso-íris reúne duas qualidades excelentes para o paisagismo: é uma ótima folhagem durante boa parte do ano, e quando floresce, fica incrível
46 | NATUREZA | MATÉRIA DE CAPA | Calathea spp. e Maranta spp. – Marantas e calateias Folhagens exuberantes e tropicais, típicas do sub-bosque da Mata Atlântica. Criam um visual de floresta densa no nível do solo. São indicadas para áreas com sombra constante e boa umidade. Não toleram pisoteio, mas são insubstituíveis para criar um “chão de floresta” expressivo, com diversidade de cores e padrões foliares. SEU JARDIM COM CARA DE CHÃO DE FLORESTA É impressionante a variedade de cores e formas nas folhagens que você pode usar em seu jardim. É uma mais bonita do que a outra Individualmente elas são muito bonitas, mas é na montagem de um conjunto que o canteiro adquire características de um paisagismo diferenciado e profissional Valerio Romahn
48 | NATUREZA | MATÉRIA DE CAPA | Axonopus compressus – Grama-São-Carlos Por vezes, é inevitável usar grama. Se for o seu caso, prefira a grama-São-Carlos. É uma espécie nativa da América do Sul e se comporta bem em jardins inspirados na Mata Atlântica. Tolera pisoteio moderado, adapta-se à meia-sombra e é mais resistente a secas do que gramados tradicionais como a grama-esmeralda. Boa opção para quem ainda deseja uma área com visual “clássico”, mas de manutenção reduzida. Em alguns casos, esta grama tem sido utilizada para conter erosões e estabilização de barrancos. SE USAR GRAMA FOR INEVITÁVEL A grama-São-Carlos é uma nativa fácil de ser encontrada (a grama-Santo-Agostinho e a grama-batatais também são da América do Sul) e existem até as variegadas que dão um charme extra ao canteiro Foto: Valerio Romahn; Ambientação: Atmosphera Paisagismo Ko Kim - Shutterstock
COMO AS ÁRVO Essa cânfora-do- -Japão (Camphora officinaru ) é uma das árvores sobreviventes da bomba atômica de 1945, preservada em Hiroshima. Mesmo queimadas, muitas dessas árvores rebrotaram e estão vivas até hoje Luiz Mors Cabral é biomédico com pós-doutorado na Bélgica e professor na Universidade Federal Fluminense, onde faz pesquisas para identificar os genes envolvidos no desenvolvimento vegetal. Também realiza projetos de divulgação científica sobre a domesticação das plantas, sempre usando uma linguagem cativante.
NATUREZA | 53 ATÉ A EXPLOSÃO DE BOMBA ATÔMICA RES SOBREVIVEM Todas as belas plantas que você está vendo são sobreviventes da radiação que destruiu Hiroshima no Japão. São as Hibakujumoku. Entenda esse incrível fenômeno POR LUIZ MORS CABRAL Em 6 de agosto de 1945, às 8h15 da manhã, Hiroshima deixou de ser uma cidade como qualquer outra. Em questão de segundos, a primeira bomba atômica usada em uma guerra atingiu a cidade: 70 mil pessoas morreram instantaneamente, e outras dezenas de milhares morreram nos dias e anos que se seguiram, transformando Hiroshima em um símbolo trágico e incomparável da destruição humana. E, no entanto, entre os escombros chamuscados, num raio de dois quilômetros do epicentro da explosão, algumas árvores, curvadas, queimadas, mutiladas, resistiram ao impensável bombardeio. Contra todas as probabilidades, nos meses seguintes à catástrofe, elas começaram a brotar novamente. Pequenos brotos verdes, silenciosos e teimosos, emergiram dos troncos devastados. Eram as Hibakujumoku, nome que os japoneses deram às "árvores bombardeadas". Hoje, 170 delas ainda estão vivas em Hiroshima, pertencentes a 32 espécies diferentes, incluindo figueiras, bambus, cerejeiras, ginkgos, camélias, cânforas, peônias, azaleias e salgueiros. Há um salgueiro, por exemplo, que fica a apenas 370 metros do epicentro da explosão e permanece de pé até hoje. Os japoneses têm profundo respeito por essas plantas e continuam a cuidar delas diligentemente, incluindo os cerca de 50 Hibakujumoku que existem em Nagasaki. Cada uma está catalogada e marcada com uma placa em japonês, inglês e latim. Fotografada em outubro de 1945, foi assim que ficou a cânfora-do-Japão atingida pela força da bomba atômica. Mudas das descendentes dessas árvores foram distribuídas pelo mundo. O Brasil não tem nenhuma
54 | NATUREZA | ECOLOGIA — UM PLANETA, MUITAS RELAÇÕES | O famoso ginkgo-biloba que fica em frente ao templo budista Housen-bou estava a apenas 1.120 metros do hipocentro da explosão. Todas as Hibakujumoku são catalogadas e recebem uma placa Tornaram-se um patrimônio vivo da cidade, um arquivo verde da memória. Crescem perto de escolas, templos e jardins públicos, e servem como um lembrete do que aconteceu e do que pode acontecer novamente se esquecermos o passado. Para que esse lembrete chegue a todos, em 2011 foi fundada a Green Legacy Hiroshima Initiative, uma fundação com uma missão importante: plantar sementes de Hibakujumoku ao redor do mundo. Exemplares já foram distribuídos para algumas dezenas de países. Estados Unidos, Argentina, Cuba, México, Espanha, Alemanha, Noruega, Rússia e Turquia são alguns deles. O Brasil ainda não tem nenhuma muda vinda das árvores bombardeadas, e fica o chamado para que alguma instituição, universidade ou jardim botânico solicite um espécime junto à fundação. Do outro lado do mundo, na fronteira entre a Ucrânia e a Bielorrússia, outras plantas dão exemplo de resiliência. Essas foram atingidas não pela bomba atômica, mas pela explosão da usina de Chernobyl. Após o desastre de 26 de abril de 1986, a URSS estabeleceu uma zona de segurança, retirando toda a população da região do acidente e deixando mais de 4.200 quilômetros quadrados livres da influência humana direta. Mas é claro que as plantas permaneceram e, ao contrário do que se poderia esperar, conseguiram sobreviver, mesmo expostas à uma radiação gigantesca ao longo de todos esses anos. A radiação emitida por Chernobyl afeta a estrutura celular dos seres vivos, causando mutações que comprometem o funcionamento das células. Frequentemente, essa radiação leva a uma proliferação celular descontrolada, causando câncer. Por vezes, essas células se tornam malignas, isto é, adquirem a capacidade de migrar para outros órgãos, espalhando-se pelo corpo e se multiplicando a ponto de prejudicar a vida e o funcionamento dos organismos. No caso das plantas, não existe câncer, ao menos não de acordo com a definição acima. Plantas podem sim ter crescimento celular descontrolado, mas esse descontrole não é capaz de se espalhar para outras partes da planta, e dificilmente causa a morte do indivíduo. Células vegetais são incapazes de migrar, como ocorre com as células animais, porque estão encapsuladas pela parede celular, uma cobertura de açúcares, como
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