A ARTE SIMBÓLICA DA PODA De todas as artes de jardinar, e de viver, talvez a poda seja a mais difícil. Cada corte elimina uma possibilidade. Cada galho retirado, por mais justificável que pareça, carrega uma aposta sobre o que deve permanecer — e o que deve sair. Nos jardins, podar é necessário: areja, fortalece, renova. Mas há sempre um risco. Galhos ainda verdes, mas tortos; brotos novos, mas fora da linha; ramos que cresceram por conta própria, fora do plano original. Se for tudo assim, na regra, aos poucos o jardim perde sua liberdade. Fica simétrico e monótono. Estéril de surpresa. Como uma frase bem escrita demais, mas sem traços de emoção. Na vida acontece o mesmo. Cortamos impulsos que parecem esquisitos, ideias que não se encaixam na rotina prevista, vontades que destoam da imagem que projetamos de nós mesmos. Cada uma dessas coisas pode esconder surpresas. Por medo do incômodo, o impulso é cortar antes que floresça. Assim, muitas oportunidades se perdem por receio de errar. E, sem perceber, viramos um jardim interno controlado demais — e solitário. Nada novo floresce onde tudo é mantido sob rédea curta. Para o bem e para o mal, o que se perde quando se poda demais é o imprevisto. Não há a aventura do novo. Vai saber se não é do galho torto que brotaria a flor mais bonita? Sem dar uma chance a uma nova amizade, a um novo amor, pode ser que a consequência seja a solidão, uma vida sem aqueles momentos que poderiam ter se tornado inesquecíveis, cheios de afeto e compreensão lindamente compartilhados. É na maturidade que as podas, as tais escolhas, feitas ao longo da vida se cristalizam. A desistência ou o desafio de aceitar cursar a faculdade difícil; a recusa ou a coragem de investir numa carreira trabalhosa; o desinteresse ou a disposição em poupar para comprar paciência nas privações da velhice; a decisão de ter ou não um filho quando o corpo ainda permite… Tudo isso e muito mais são as podas de condução ou os galhos que deixamos crescer a cada dia vivido — como se o inevitável fim não estivesse previsto desde sempre. Um dia, tenha certeza, você vai se surpreender no jardim da velhice. Os frutos da vida pendem pesados nos galhos do tempo — uns azedos e difíceis de engolir, outros doces e saborosos. Então você poderá ver o resultado da poda, e das escolhas, que seus instintos moldaram, dia após dia, ano após ano. Mas hoje, sim, hoje mesmo, ao alvorecer, você ganhou o presente de um novo dia. E toda a liberdade de fazer com ele o que quiser. Aproveite esta dádiva e exerça a sua arte de podar ou deixar crescer. | CRÔNICAS DA NATUREZA |
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