82 | NATUREZA Meu Jardim A HISTÓRIA DAS três figueiras As plantas e o tempo podem ser um tema muito filosófico, fazer refletir sobre como as árvores participam da intimidade de uma família, até mais do que parece. Tive a ideia de escrever sobre isso depois que três Ficus microcarpa, figueira-lacerdinha ou figueira-asiática, que protegiam a fachada da minha casa morreram e tive de cortá-las. Era preciso, porque elas estavam se decompondo rapidamente, a olhos nus, com enormes cogumelos em seus troncos. Quando me mudei para minha casa, há quase 20 anos, torci o nariz para aquelas três árvores. Puxa, bem na entrada, três gigantes exóticas e invasoras dando pinta bem no meu pedaço, uma defensora das nativas? Em São Paulo, no bairro onde eu moro, uma das práticas dos anos 1940 era fazer muros vivos com essa espécie de árvore e o muro da frente da minha casa era composto por elas. Então, fazer o quê? Não me mudar, porque as árvores da fachada são figueiras asiáticas? Cortar fora três árvores crescidas? Elas já estavam lá há pelo menos 70 anos, então decidi vivenciar aquelas plantas. A primeira coisa que pensei foi que, com aquela copa densa e fechada, elas protegeriam os quartos da visão da rua e também prestariam um belo serviço ambiental. Segurariam muitos poluentes em suas milhares de folhas, fariam sombra, refrescariam e umedeceriam o ambiente e, além de tudo isso, no processo de fotossíntese, absorveriam litros de gás carbônico (CO₂) e exalariam muito oxigênio (O₂). Visto por esse ângulo seriam uma benção. Então tratei de me aproximar das gigantes, e sabe que me apeguei? Conforme o tempo foi passando e as estações se sucederam, me encantei com a forma curiosa como elas se desenvolviam: no outono e no inverno, época seca na nossa região, perdiam grande parte de suas folhas. Com elas eu abastecia minha composteira de chão, na primavera e no verão, as três árvores rebrotavam e, além de folhinhas novas, elas se enchiam de pequenos frutos arredondados, muito apreciados pela avifauna, que fazia uma verdadeira festa em seus galhos, mas deixavam o chão do meu quintal uma meleira de figuinhos minúsculos, cheios de sementinhas. Foram muitas manhãs nas quais pratiquei ioga embaixo de suas copas. Inúmeras tardes trabalhei com meu computador em uma mesinha de toco improvisada. Eu concentrada e os pássaros fazendo algazarras em cima da minha cabeça. Até um pica-pau-da-cabeça-amarela frequentava com bastante assiduidade um galho seco que TEXTO SABRINA JEHA Elas ficavam na frente da casa, acompanharam toda a vida da família até que um dia precisaram ser cortadas. Veja como tudo isso aconteceu “Torci o nariz para aquelas três árvores. Puxa, bem na entrada, três gigantes exóticas e invasoras dando pinta bem no meu pedaço, uma defensora das nativas? ” Fotos: arquivo pessoal ThePremisei - Shutterstock

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