NATUREZA | 83 deixei propositalmente para atrair abelhas solitárias que faziam seus ninhos em seus pequenos ocos e pássaros que iam atrás de larvas que lá se instalavam. Essas árvores foram verdadeiras testemunhas de boa parte da minha vida e da infância dos meus filhos. Às vezes, embaixo de suas copas, me lembrava de passagens da série literária O tempo e o Vento, de Erico Verissimo em que uma figueira-brava, que ficava na Praça Central da ficcional Santa Fé, foi por séculos testemunha de todas as alegrias, dramas, namoros, batalhas e dia a dia das pessoas que por lá passavam. Em especial da família Terra-Cambará, tão bem retratada nos livros. A árvore apareceu em quase todos os volumes da saga, sendo uma testemunha silenciosa e longeva que, por quase os dois séculos de história, mostrava a resiliência das árvores e a efemeridade da vida humana, diante de tantos dramas, batalhas e alegrias. No entanto, ao contrário da ficcional figueira-brava de O Tempo e o Vento (possivelmente um exemplar de Ficus enormis ou Ficus luschnathiana, ambas nativas brasileiras e longevas), as minhas figueiras-asiáticas sucumbiram depois da seca de 2024. Demorei a acreditar, até que no auge do verão de 2025 nenhuma folha apareceu. Cogumelos começaram a povoar seus troncos e, numa dessas tempestades terríveis que têm assolado São Paulo, um galho grande e pesado, caiu sobre meu jardim. Hora de retirá-la. Fiz todo o processo legal junto à Prefeitura de São Paulo e tive que contratar um caminhão com cestinho para derrubá-la, tão grandes eram seus galhos. Nesse dia me dei conta de quão forte era a nossa ligação. Senti uma tristeza sem fim. Meu jardim ficou devastado sem suas guardiãs. Mas, assim é a vida, e o jardim me mostra muito sobre a impermanência, sobre as mudanças, os ciclos da vida e a morte. Pelo laudo da prefeitura, sou obrigada a fazer a compensação ambiental. Mesmo elas tendo morrido por causa natural e desconhecida, tenho que plantar é geógrafa e herborista do viveiro de ervas Sabor de Fazenda. Você pode compartilhar suas histórias com ela no perfil do Instagram @umahortabrotou, da qual é criadora de conteúdo. “Foram muitas manhãs nas quais pratiquei ioga embaixo de suas copas. Inúmeras tardes trabalhei com meu computador em uma mesinha de toco improvisada.” “Senti uma tristeza sem fim. Meu jardim ficou devastado sem suas guardiãs. Mas, assim é a vida, e o jardim me mostra muito sobre a impermanência, sobre as mudanças, os ciclos da vida e a morte.” três novas árvores nativas, duas de porte médio e uma de porte grande (minha Deusa… como vão caber essas preciosidades no meu quintal?). No entanto, se na Mata Atlântica cabem tantas espécies de árvores e plantas, por que não posso fazer um quintal florestal? No final, estou achando a troca maravilhosa: três figueiras asiáticas por um ipê-roxo (belíssima para os olhos e para a alma), uma grumixama (da família mirtácea, que dá frutos deliciosos, parecidos com cerejas) e um jatobá, uma árvore belíssima, gigaaaante e muito medicinal; e o mais significativo: fiz a muda com meu pai, alguns anos antes de ele falecer. O desafio é que essas árvores têm que ter um DAP (Diâmetro na Altura do Peito) de 3 cm, o que significa que devem ser mudas de pelo menos 10 anos de vida, masssss, mesmo assim, demorarão muito tempo para chegar na altura e no porte das minhas gigantonas. Veja como é o tempo, né? Eu mesma, do alto dos meus 49 anos, se tudo der certo, vou ver essas árvores ficarem jovens adultas. Certamente elas serão grandes testemunhas, silenciosas e resilientes, da vida vivida nessa casa, por séculos. Serão grandes aliadas para uma cidade mais gentil com as pessoas, os bichos e as plantas fazendo todo aquele serviço ambiental que as figueiras queridas fizeram com tanta maestria.
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