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NA BAGAGEM
As histórias vividas pela redação
VIAJE
MAIS
N
uma viagem, todo
dia é domingo.
Não um domin-
guinho qualquer, desses de
acordar tarde, ficar no sofá
xeretando a vida dos outros
pelas redes sociais, clicando
um “curtir” cheio de inveja
de quem se diverte.
Dia de embarcar é sem-
pre sábado. Não importa se
é segunda-feira. É sábado
porque, emvez de trabalhar,
é preciso correr com as ma-
las, ter medo de perder o
horário do avião, não comer
direitodevido ao friona bar-
riga, todo o tempo em con-
centração máxima.
Mas é no avião que se dá
a transformação. O tempo
para.Quando a gente está na
barriga do bicho, vendo o
mundo lá do alto, o relógio
enlouquece. Diz que é uma
hora e é outra. As 11 horas
de voo de São Paulo a Paris
seconvertemnumas200, 300
horas. Ofilme de duas horas
passaem15minutos, eo livro
que devia embalar a viagem
inteira, em cinco minutos já
enjoou. E esse sono que não
vem? Éque o calendário está
se ajeitando para que todos
os dias sejam domingo.
Éclaroque bastapisar no
chãode Paris para ter certeza
de que é domingo. Mesmo
que se diga que é terça, nin-
guém acredita: não existem
osmeninos na praça.Ovelho
tocou acordeão e fez a trilha
sonora do casal de namora-
dos que tomava vinhobranco
e ria um para o outro.
Quando vi, outro obser-
vador de pessoas olhava para
mim, câmera namão, pronto
para umclique. Rapidamente
levantei minha máquina e
fotografei a ele me fotogra-
fando. Rimos umpara o ou-
tro e cada umfoi para um la-
do em frente à catedral.
Foi um domingo em Es-
trasburgo. Como foram do-
mingo todas as quintas-feiras,
ou sextas, das viagens que fiz
na minha vida.
terças-feiras na Torre Eiffel.
Nemquartas no
tour
debarco
pelo Sena. Só domingos.
Por coincidência, e não
mais do que por uma coin-
cidência, certodia cheguei em
Estrasburgo num domingo,
desses de folhinha. Ocenário
foi se compondo: era prima-
vera e a cidade francesa, às
margens doRioReno, estava
emflor, eodia, pra láde enso-
larado; todas as lojas, museus
e restaurantes estavam aber-
tos; e era carnaval na cidade.
Odomingo estava garan-
tido. Deve ser mania de
quem escreve, mas uma das
coisas de que mais gosto é
olhar as pessoas. Observar
as roupas que usam, o que
fazem e leem, como andam.
Saí por Estrasburgo, sozinho,
nomeu agradável esporte de
observar pessoas.
O deficiente físico fazia
bolas de sabão. Não eram
bolinhas, eram verdadeiras
esculturas de mil cores que
rebrilhavamao sol, epor vezes
criavam túneis. Amenininha
loira, fantasiada de princesa,
se esmerava nas bolas e ria
para o rapaz na cadeira de
rodas. Domingo. O homem
vestido de D’Artagnan, com
a cruz no peito, chapéu com
plumas e botas, saiu do carro
fazendomesuras. Talvez para
o melhor dia da semana.
A adolescente de vestido
Porque é domingo
POR
ROBERTO ARAÚJO
R
OBERTO
A
RAÚJO
azul bem curtinho, cabelos
ao vento, rasteirinha nos pés,
subiu os quase infinitos de-
graus da Catedral de Estras-
burgo, tirou fotos lá do alto
e ficou pensativa em frente à
lápide do capitão de artilha-
ria Kamensky, morto em
1750 a serviço de sua ma-
jestade. Às vezes é bomme-
ditar aos domingos.
A mascarada de vestido
preto e cabelo azul fez uma
pose bem linda quando viu
que euaobservava. Tirei uma
foto. Ela sorriu e sumiu na
multidão domingueira.
Dois rapazes vestidos de
palhaço jogavam bola com