43
VIAJEMAIS
LUXO
SUÍÇA
sempre no topo do
ranking
de cidades mais caras e
melhores para se viver.
O DNA dadaísta que tanto alimentou a explo-
são de vanguardas pelo mundo na primeira metade
do século 20 até mantém-se vivo em alguns pontos,
como o Grand Café Odeon, bem em frente ao Ter-
rasse, e o histórico Cabaret Voltaire, epicentro do
dadaísmo original, onde ainda é possível improvisar
no palco para se submeter a aplausos ou ofensas do
público. Principalmente neste ano, em que mostras,
saraus, oficinas e intervenções performáticas têm
pipocado nos mais variados cantos da cidade em
alusão ao centenário do movimento.
A veia cultural suíça, no entanto, diversificou-
se no último século, revelando muitas outras facetas
em seus mais de 70 museus e cem galerias de arte,
como o Kunsthaus, a Casa de Ópera e o Museu da
Fifa. E as críticas dadaístas à sociedade burguesa
cederam espaço a uma profusão de instituições
bancárias. Só em Zurique, há cerca de 360 bancos,
famosos pelo sigilo que garantem aos seus clientes.
Definitivamente, a palavra na ponta da língua
foi do
nonsense
dadaísta para o senso comum do dim-
dim, que faz girar a roda da fortuna na Bahnhofstras-
se, principal rua da cidade e um dos mais cobiçados
polos de compras de luxo do mundo. Lá, grifes como
Armani, Ermenegildo Zegna e Gucci disputam as
atenções com vitrines fartas em canivetes Victorinox
e relógios Rolex. Quanto mais perto do Rio Limmat,
mais refinadas são as butiques. De quebra, o viajante
ainda pode entrar na cobiçada confeitaria Sprüngle ou
Foi naquele refinado restaurante de Zurique, ba-
tizado de Terrasse, que há exatos cem anos o alemão
Hans Arp, o checo Walter Serner e o romeno Tristan
Tzara teriam criado
A Hipérbole do Cabeleireiro-Croco-
dilo e a Bengala
, uma série de poemas coletivos, feitos
em público e com o público, sem autoria definida. Essa
receita de poesia anárquica, irracional e improvisada
deu eco ao movimento artístico mais contracultural
de todos os tempos, que pregava a falta de lógica e a
desordem como forma de expressar o caos provocado
pela eclosão da Primeira Guerra Mundial.
Embora os precursores do dadaísmo propu-
sessem até um sorteio de palavras para criar obras
literárias brilhantemente incompreensíveis, a escolha
do município suíço como base do movimento não foi
mera obra do acaso. Neutra ante o conflito mundial,
Zurique tornou-se ponto de encontro de numerosos
intelectuais e artistas contrários à guerra. “Era uma
gaiola de pássaros cercada de leões rugindo”, descre-
veu Hugo Ball à ocasião, enquanto noutros cantos da
cidade, alheio aos gritos de dadá, o irlandês James
Joyce escrevia
Ulisses
e os exilados Lênin, Radek e
Zinoviev ruminavam seus ideais comunistas.
Ironicamente, quem circula hoje pela charmosa
metrópole suíça não encontra bagunça generalizada,
manifestos efusivos nem tendências à negação de va-
lores estéticos. Muito pelo contrário: tudo ali parece
elegantemente discreto, eficiente e planejado, desde
as pontualíssimas linhas de bonde até o sistema
previdenciário, que chega a pagar R$ 35 mil mensais
de seguro-desemprego. Não à toa, Zurique aparece
FOTOS: DIVULGAÇÃO / 1 SHUTTERSTOCK.COM
O
AMBIENTE SOFISTICADOCAUSOU
CERTA ESTRANHEZA EM UM PRI-
MEIRO MOMENTO. MAS, PARA
TER CERTEZA DE QUE ESTAVA NO
LUGAR CERTO, BASTOU SENTAR-
ME À MESA E UM GARÇOM DES-
COLADO OFERECER O CLÁSSICO
TAGLIATA DI MANZO AL BURRO
‘CAFÉ DE PARIS’ – FI-
LÉ-MIGNON SERVIDO EM UM MOLHO SECULAR, DO
TEMPO EMQUE DADAÍSTAS VIRAVAMNOITES EMBE-
BIDOS EM DIVAGAÇÕES E DOSES DE ABSINTO.